CUIDADO COM O VOCABULÁRIO NA HORA DE ESCREVER
Escrever bem não é escrever difícil. Não empregue palavras
complicadas ou supostamente bonitas, principalmente se você não sabe o significado delas.O vocabulário deve ser adequado ao tipo de texto que se
pretende redigir, pensando em quem vai ler seu texto. No caso de redações
escolares, deve-se empregar a norma padrão ou norma culta da língua. Evite
erros gramaticais, ortográficos, gírias, palavrões, pois não condizem com a boa
linguagem. Acima de tudo, seja claro e objetivo em sua maneira de escrever.
O texto “ As palavras que ninguém diz” de Carlos Drummond de
Andrade é um exemplo de crítica ao uso de palavras de difícil compreensão (
basta observar o título do texto.
Boa leitura! ... e não tente descobrir o significado de
algumas palavras. Elas não são encontradas nem nos melhores dicionários. Palavra
de quem já fez a pesquisa.
AS PALAVRAS QUE NINGUÉM DIZ
Carlos Drummond de Andrade
Sabe o que é diadelfo? Não sabe. É isso aí: ninguém aprende
mais nada na escola, não há professor que ensine o que é diadelfo. Entretanto,
basta você sair por aí, na Gávea, e dá de cara com pencas de diadelfos. Tão
fácil distingui-los. Pelo visto, sou capaz de jurar que você também nunca
experimentou a emoção do ilapso. Ou por outra: pode até ter experimentado, mas
sem identificá-lo pelo nome. Não alcançou a maravilhosa consciência de haver
merecido o ilapso. Conheci um nordestino que na mocidade exercera a profissão
de ultor, e que ignorava o que é ultor: como é que pode ser tão mau
profissional?
Praticamente, as coisas deixaram de ser nomeadas na boca dos
falantes. O vocabulário azulou. São incapazes de reconhecer o que é beltiano, e
mais ainda de qualificá-lo. Paranzela, já ouviu falar? Conhece entre suas
relações alguém que algum dia lhe falou em oniquito? Se vou ao Number One e
peço alfitetes, pensam que estou louco, acham que eu quero comer alfinetes. Não
adianta argumentar que, como paguilha, faço jus à maior consideração: de resto,
sabem lá o que seja paguilha?
Olhe, não é só a piara que ignora tudo, inclusive que ela é
piara. Os da alta, é a mesma coisa. Participei de umas boedrômias em certa
mansão do Cosme Velho, e pude verificar que todos, satisfeitíssimos com o que
faziam, estavam longe de imaginar que tudo aquilo que se passava em torno da
piscina eram boedrômias, autênticas boedrômias. Uma situação de poslimínio é
absolutamente indecifrável para muitos doutores que conheço. E quantos só dormem
sossegados se têm um talambor a protegê-lo, desconhecendo embora que instalaram
um talambor em casa?
Menino, você gosta remuito de siricaia e não sabe o que é
siricaia e o que é remuito? Santa ignorância! Mas que o seu pai, professor
ilustre pratique o harpaxismo e nem desconfie de ser harpaxista, meus pêsames
às codornas. Lamentável ainda, a incontinência de seus borborigmos em reuniões
sociais, pois não?
Quanta gente por aí, precisando de auriscálpio, e se
aconselho que procure obter um, fica perturbada, imaginando coisas... Chega a
manifestar aversamento, sem mesmo desconfiar do que seja aversamento. De
português não aprendem um pigalho. Aventure-se alguém, numa roda seleta, a
falar em cristadelfos. Os que se julgam mais informados pensarão que nos referimos
a porcelanas de Delft.
Pessoas que adoram determinados pitéus, não os visita a
mínima noção de gamararologia (não quer dizer que estejam gamadas, é outra
coisa muito diferente). Dispomos de alguns estratólogos, a quem ninguém trata
pela correta denominação, e se esta for mencionada, haverá quem supunha
tratar-se de peritos em rodoviarismo ou em extratos de contas. Fui cumprimentar
uma campeã de tênis, chamando-a lindamente de vitrice, e ela abespinhou-se.
Achou talvez algo de venéfico no vocábulo. Sabe tênis e não sabe o idioma.
Vamos dar uma volta seral? Propus a outra moça, que
arregalou os olhos. Não houve meio de convencê-la de que pretendia levá-la por
aí, sob a paz das estrelas. Imagine se eu lhe propusesse usar subsiles. Ainda
que eu aplicasse o máximo de catexe, não conseguiria nada. E talvez ela até
chamasse a polícia.
Bem, não estou exagerando. Você que me ouve, sabe(pelo menos
isso) que eu evito toda e qualquer espécie de cinquete. Ah, também não sabe o
que é cinquete? Era de se esperar. Não posso falar que sua cabeça mais parece
uma abatiguera, porque a bem dizer, você nunca plantou nada aí, e em
conseqüência nada aí se pode colher. Certas coisas a gente vê logo, não carece
ser mirioftalmo. Passe bem, ignaro, ou melhor, passe mal!
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