Grupo de estudos – Leitura e interpretação de texto
A VONTADE DO FALECIDO
Seu Irineu Boaventura não
era tão bem-aventurado assim, pois sua saúde não era lá para que se diga. Pelo
contrário, seu Irineu ultimamente já tava até curvando a espinha, tendo
merecido, por parte de vizinhos mais irreverentes, o significativo apelido de
“Pé- na-Cova”. Se digo significativo é porque seu Irineu Boaventura realmente
já dava a impressão de que, muito brevemente, iria comer capim pela raiz, isto
é, iam plantar ele e botar um jardinzinho por cima.
Se havia expectativa em
torno do passamento do seu Irineu? Havia sim. O velho tinha os seus guardados.
Não eram bens imóveis, pois seu Irineu conhecia de sobra Altamirando, seu
sobrinho, e sabia que, se comprasse terreno, o nefando parente se instalaria
nele sem a menor cerimônia. De mais a mais, o velho era antigão: não comprava o
que não precisava e nem dava dinheiro por papel pintado. Dessa forma, não
possuía bens imóveis nem ações […]. A erva dele era viva. Tudo guardado em
pacotinhos, num cofrão verde que ele tinha no escritório.
Nessa erva é que a parentada
botava olho grande […] principalmente depois que o velho começou a ficar com
aquela cor de uma bonita tonalidade cadavérica. O sobrinho, embora mais
mau-caráter do que o resto da família, foi o que teve a atitude mais leal,
porque, numa tarde em que seu Irineu tossia muito, perguntou assim de supetão:
- Titio, se o senhor puser o
bloco na rua, pra quem é que fica o seu dinheiro, hein?
O velho, engasgado de ódio,
chegou a perder a tonalidade cadavérica e ficar levemente ruborizado,
respondendo com voz rouca:
- Na hora em que eu morrer,
você vai ver, seu cretino.
Alguns dias depois, deu-se o
evento. Seu Irineu pisou no prego e esvaziou. Apanhou um resfriado, do
resfriado passou à pneumonia, da pneumonia passou ao estado de coma e do estado
de coma não passou mais. Levou pau e foi reprovado.[…]
- Bota titio na mesa da sala
de visitas – aconselhou Altamirando; e começou o velório. Tudo que era parente
com razoáveis esperanças de herança foi velar o morto. Mesmo parentes
desesperançados compareceram ao ato fúnebre, porque estas coisas vocês sabem
bem como são: velho rico, solteirão, rende sempre um dinheirão. Horas antes do
enterro, abriram o cofrão verde onde havia sessenta milhões em cruzeiros, vinte
em pacotinhos de “Tiradentes” e quarenta em pacotinhos de “Santos Dumont”:
- O velho tinha menos
dinheiro do que eu pensava – disse alto o sobrinho.
E logo adiante acrescentava
baixinho:
- Vai ver, gastava com
mulher.
Se gastava ou não, nunca se
soube. Tomou-se – isto sim – conhecimento de uma carta que estava
cuidadosamente colocada dentro do cofre, sobre o dinheiro. E na carta o velho
dizia: “Quero ser enterrado junto com a quantia existente neste cofre, que é
tudo o que eu possuo e que foi ganho com o suor do meu rosto, sem a ajuda de
parente vagabundo nenhum.” E, por baixo, a assinatura com firma reconhecida
para não haver dúvida: Irineu de Carvalho Pinto Boaventura.
Pra quê! Nunca se chorou
tanto num velório sem se ligar pro morto. A parentada chorava às pampas, mas
não apareceu ninguém com peito para desrespeitar a vontade do falecido. Estava
todo o mundo vigiando todo o mundo, e lá foram aquelas notas novinhas arrumadas
ao lado do corpo, dentro do caixão.
Foi quase na hora do corpo
sair. Desde o momento em que se tomou conhecimento do que a carta dizia, que
Altamirando imaginava um jeito de passar o morto pra trás. Era muita sopa
deixar aquele dinheiro ali pro velho
gastar com minhoca. Pensou,
pensou e, na hora que iam fechar o caixão, ele deu um grito de “pera aí”. Tirou
os sessenta milhões de dentro do caixão, fez um cheque da mesma importância,
jogou lá dentro e disse “fecha”.
- Se ele precisar, mais
tarde desconta o cheque no Banco.
(Stanislaw
Ponte Preta. Dois amigos e um chato. São Paulo, Moderna, 1986)
Questões sobre o texto
1. Qual o assunto do texto?
2. Resuma em um parágrafo a ideia central do texto.
3. Havia algum parente que se preocupava com a saúde de Irineu? Explique.
4. O que você achou da ideia de Altamirando? Você concorda com ele?
5. No texto há algumas palavras escritas em linguagem coloquial. Reescreva-as de acordo com a norma padrão da língua portuguesa.
6.Dê o significado das seguintes expressões:
a. " pé-na-cova" :________________________________________
b. " pisou no prego e esvaziou: " _____________________________________
c." não dava dinheiro por papel pintado" ______________________________
d: chorava às pampas": ___________________________________________
e: " A erva dele era viva" ____________________________________________
ameiii o texto!!!!
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