INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS - FUVEST
(FUVEST) Texto para as questões 1 a 6:
A FLAUTA E O SABIÁ
Em rico estojo de veludo, pousado sobre uma mesa de charão, jazia uma flauta de prata. Justamente por cima da mesa, em riquíssima gaiola suspensa ao teto, morava um sabiá. Estando a sala em silêncio, e descendo um raio de sol sobre a gaiola, eis que o sabiá, contente, modula uma ária.
Logo a flauta escarninha põe-se a casquinar no estojo como a zombar do módulo cantor silvestre.
- De que te ris? indaga o pássaro.
E a flauta em resposta:
- Ora esta! pois tens coragem de lançar guinchos diante de mim?
- E tu quem és? ainda que mal pergunte.
- Quem sou? Bem se vê que és um selvagem. Sou a flauta. Meu inventor, Mársias, lutou com Apolo e venceu-o. Por isso o deus despeitado o imolou. Lê os clássicos.
- Muito prazer em conhecer... Eu sou um mísero sabiá da mata, pobre de mim! fui criado por Deus muito antes das invenções. Mas deixemos o que lá foi. Dize-me: que fazes tu?
- Eu canto.
- O ofício rende pouco. Eu que o diga que não faço outra coisa. Deixarei, todavia, de cantar - e antes nunca houvesse aberto o bico porque, talvez, sendo mudo, não me houvessem escravizado - se, ouvindo a tua voz, convencer-me de que és superior a mim. Canta! Que eu aprecie o teu gorjeio e farei como for de justiça.
- Que eu cante?!...
- Pois não te parece justo o meu pedido?
- Eu canto para regalo dos reis nos paços; a minha voz acompanha hinos sagrados nas igrejas. O meu canto é a harmoniosa inspiração dos gênios ou a rapsódia sentimental do povo.
- Pois venha de lá esse primor. Aqui estou para ouvir-te e para proclamar-te, sem inveja, a rainha do canto.
- Isso agora não é possível.
- Não é possível! por quê?
- Não está cá o artista.
- Que artista?
- O meu senhor, de cujos lábios sai o sopro que transformo em melodia. Sem ele nada posso fazer.
- Ah! é assim?
- Pois como há de ser?
- Então, minha amiga - modéstia à parte - vivam os sabiás! Vivam os sábias e todos os pássaros dos bosques, que cantam quando lhes apraz, tirando do próprio peito o alento com que fazem a melodia. Assim da tua vanglória há muitos que se ufanam. Nada valem se os não socorre o favor de alguém; não se movem se os não amparam; não cantam se lhes não dão sopro; não sobem se os não empurram. O sabiá voa e canta - vai à altura porque tem asas, gorjeia porque tem voz. E sucede sempre serem os que vivem do prestígio alheio, os que mais alegam triunfos. Flautas, flautas... cantam nos paços e nas catedrais... pois venha daí um dueto comigo.
E, ironicamente, a toda a voz, pôs-se a cantar o sabiá, e a flauta de prata, no estojo de veludo... moita.
Faltava-lhe o sopro.
(Coelho Neto)
1. Do texto, pode-se inferir que a cena começa:
a. num recinto em silêncio.
b. ao ar livre, numa varanda iluminada pelo sol.
c. no paço real, com um festa oferecida pelos cortesãos para regalar o monarca.
d. no adro de uma igreja, ao som dos hinos sagrados.
e. na prateleira de uma das salas ensolaradas de uma ruidosa loja de instrumentos musicais.
2. Dentre as seguintes expressões proverbiais, indique aquela que melhor se aplica ao texto "A flauta e o sabiá":
a) Gato escaldado tem medo de água fria.
b) Não se deve fazer continência com o chapéu alheio.
c) Patrão fora, feriado na loja.
d) Mais vale um pássaro na mão que dois voando.
e) Santo de casa não faz milagre.
3. Dentre as seguintes passagens do texto, assinale a que justifica o contentamento do sabiá:
a. "... riquíssima gaiola suspensa ao teto...".
b. "... sobre uma mesa de charão, jazia uma flauta... por cima da mesa... morava um sabiá...".
c. "... descendo um raio de sol sobre a gaiola ...".
d. "Estando a sala em silêncio...".
e. "... o sabiá, contente, modula uma ária".
4. No texto, a expressão o deus refere-se a:
a) Apolo (o deus do sol) d) Deus (criador do sabiá)
b) Mársias (o gênio da flauta) e) o Senhor da flauta
c) Orfeu (o deus da música)
5. Com a frase Lê os clássicos, a flauta está sugerindo que o sabiá:
a. conheça os autores que foram contemplados com o Prêmio Nobel de literatura.
b. desconhece os compositores de música clássica.
c. deve ler os principais "best-sellers".
d. ignora a cultura greco-latina.
e. lê os clássicos brasileiros.
6. O sabiá desafiou a flauta a cantar porque:
a. quem canta para reis devotos nas igrejas canta para qualquer pessoa.
b. as flautas foram inventadas para cantar.
c. cantar era uma arte própria da flauta.
d. ele mesmo não conseguiria abrir o bico.
e. a flauta havia menosprezado o talento dele.
(FUVEST) Texto para as questões 7 a 14:
Um dia desta semana, farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de todos, de um tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei de uma página de anúncios, e disse comigo:
- Eia, passemos em revistas as procuras e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes, oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas-de-leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas...
E o meu espírito, estendendo e juntando as mãos e os braços, como fazem os nadadores, que caem do alto, mergulhou por uma coluna abaixo. Quando voltou à tona trazia entre os dedos esta pérola:
"Uma viúva interessante, distinta, de boa família e independente de meios, deseja encontrar por esposo um homem de meia-idade, sério, instruído, e também com meios de vida, que esteja como ela, cansado de viver só, resposta por carta ao escritório desta folha, com as iniciais M.R. ... anunciando, a fim de ser procurada essa carta."
Gentil viúva, eu não sou o homem que procuras, mas desejava ver-te, ou, quando menos, possuir o teu retrato, porque tu não és qualquer pessoa, tu vales alguma cousa mais que o comum das mulheres. Ai de quem está só! dizem as sagradas letras; mas não foi a religião que te inspirou esse anúncio. Nem motivo teológico, nem metafísico. Positivo também não, porque o positivismo é infenso às segundas núpcias. Que foi então, senão a triste, longa e aborrecida experiência? Não queres amar, estás cansada de viver só.
E a cláusula de ser esposo outro aborrecido, farto de solidão, mostra que tu não queres enganar, nem sacrificar ninguém. Ficaram desde já excluídos os sonhadores, os que amem o ministério e procurem justamente esta ocasião de comprar um bilhete na loteria da vida. Que não pedes um diálogo de amor, é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno. Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois que exiges que também, possua. E há de ser instruído, para encher com as cousas do espírito as longas noites do coração, e contar (sem as mãos presas) a tomada de Constantinopla.
Viúva dos meus pecados, quem és tu que sabes tanto? O teu anúncio lembra a carta de certo capitão da guarda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, escreveu um dia ao grave Sêneca, perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia, e explicava-se por figura: "Não é a tempestade que me aflige, é o enjôo do mar." Viúva minha, o que tu queres realmente, não é um marido, é um remédio contra o enjôo. Vês que a travessia ainda é longa, - porque a tua idade está dentre trinta e dous e trinta e oito anos, - o mar é agitado, o navio joga muito; precisas de um preparado para matar esse mal cruel e indefinível. Não te contenta com o remédio de Sêneca, que era justamente a solidão, "a vida retirada, em que a lama acha todo o seu sossego". Tu já provaste esse preparado; não te fez nada. Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia.
(Machado de Assis, A Semana, 1882)
7. Em qual dos elementos abaixo se baseia a imagem mais recorrente no texto?
a) água d) fogo
b) terra e) sol
c) ar
8. No trecho "Ficam desde já excluídos os sonhadores..." (§6º), entende-se que os sonhadores ficam excluídos do grupo dos que:
a) têm condições de serem escolhidos.
b) desejam comprar um bilhete da loteria.
c) sacrificam os outros.
d) querem um diálogo de amor.
e) amam o mistério.
9. No trecho "... precisas de um preparado para matar esse mal cruel e indefinível." (§7º), o "mal" é:
a) a falta de amor d) a saudade do casamento
b) o tédio da solidão e) a aproximação da velhice
c) o enjôo do mar
10. De acordo com o texto, o cronista teve desejo de ver a viúva porque:
a) ela era distinta e interessante.
b) ela possuía bens que a tornavam independente.
c) ela lhe parecia superior às outras mulheres.
d) ela estava triste e precisava de consolo.
e) ele também estava cansado de viver só.
11. De acordo com o texto, o capitão:
a. pretendia, por motivos pessoais, deixar suas funções de guarda do imperador.
b. não suportava mais a solidão das prolongadas viagens marítimas.
c. tinha a saúde abalada pelo sacudir constante do navio.
d. estava aborrecido porque tinha conflitos com seus companheiros de
trabalho.
e. devia procurar a solução para seu problema dentro de si mesmo.
12. Infere-se do texto que, na opinião do cronista:
a. a viúva, tendo sido feliz no primeiro casamento, desejava retomar no segundo o ritmo daqueles dias que se haviam ido.
b. o primeiro marido da viúva fora uma pessoa séria e aborrecida, que poucas alegrias lhe dera enquanto vivo.
c. a viúva pretendia encontrar, no segundo casamento, uma vida mais cheia de aventuras e viagens emocionantes.
d. o verdadeiro objetivo da viúva era constituir uma fortuna razoável, juntando suas posses às do futuro marido.
e. a morte do primeiro marido deixara na vida de sua mulher um vazio que ela desejava preencher com outro casamento.
13. De acordo com o texto:
a. o eventual pretendente à viúva deve procurar resposta a sua carta na redação do jornal.
b. a viúva, ou alguém em seu lugar, procurará na redação a carta do eventual pretendente.
c. o jornal veiculará novo anúncio, em resposta aos eventuais pretendentes da viúva.
d. a viúva deixará na redação do jornal uma carta, em resposta ao pretendente eventualmente escolhido.
e. um novo anúncio fará saber ao eventual pretendente que a viúva oportunamente o procurará.
14. Entre os excertos abaixo, assinale aquele que o autor cria uma metáfora de "vida":
a. ... como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais...
b. ... o meu espírito, estendendo e juntando as mãos e os braços, como fazem os nadadores, que caem do alto, mergulhou por uma coluna abaixo.
c. ... a meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno.
d. ... a travessia ainda é longa, o mar é agitado, o navio joga muito.
e. ... o remédio é a solidão, a vida retirada, em que a alma acha todo o seu sossego.
Gabarito
1-.a; 2-b; 3-c; 4-a; 5-d; 6-e; 7-a; 8-a; 9-b; 10-c; 11-e; 12-e, 13b; 14-d
acredito que a resposta correta da n° 4 seria a letra b (Mársias o gênio da flauta)
ResponderExcluirLeia o texto novamente. Marsias, o deus da flauta, venceu Apolo, o deus do Sol. O deus, no texto, refere-se a Apolo que imolou Marsias por ter saído vencedor.Apolo não aceitou ser derrotado.Alternativa A correta.
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