Unicamp 2019
“Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e
trespassam. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo do
bom senso e do senso comum."
(Adaptado de “Franz Kafka, carta a Oscar Pollak, 1904.”
Disponível em https://laboratoriode sensibilidades.wordpress.com. Acessado em
28/05/2018.)
Assinale o excerto que confirma os dois textos anteriores.
a) A leitura é, fundamentalmente, processo político. Aqueles
que formam leitores – professores, bibliotecários – desempenham um papel
político. (Marisa Lajolo)
b) Pelo que sabemos, quando há um esforço real de
igualitarização, há aumento sensível do hábito de leitura, e portanto difusão
crescente das obras. (AntonioCandido)
c) Ler é abrir janelas, construir pontes que ligam o que
somos com o que tantos outros imaginaram, pensaram, escreveram; ler é fazer-nos
expandidos. (Gilberto Gil)
d) A leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de
sonhar, por que não sonhar os meus próprios sonhos?(Fernando Pessoa)
2. Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto. As proparoxítonas
são o ápice da cadeia alimentar do léxico.
As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Para
pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto - e, despóticas, ainda exigem
acento na sílaba tônica! Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice. Ser artesão não
é nada, perto de ser artífice.
Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.
(Adaptado de Eduardo
Affonso, “Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto”. Disponível
em www.facebook.com/eduardo22affonso/.)
a) garantem sua pronúncia graças à exigência de uma sílaba
tônica.
b) conferem nobreza ao léxico da língua graças à facilidade
de sua pronúncia.
c) revelam mais prestígio em função de seu pouco uso e de
sua dupla acentuação.
d) exibem sempre sua prepotência, além de imporem a obrigatoriedade
da acentuação.
3. Na década de 1950, quando
iniciava seu governo, Juscelino Kubitschek prometeu “50 anos em 5”. Na campanha
do atual governo o slogan ficou assim: “O Brasil voltou, 20 anos em dois”. A
‘tradução’ não tinha como dar certo; era como comparar vinho com água. E mais:
havia uma vírgula no meio do caminho. Na propaganda, apenas uma vírgula impede
que a leitura, ao invés de ser positiva e associada ao progressismo de
Juscelino, se transforme numa mensagem de retrocesso: o Brasil de fato ‘voltou’
muito nesses últimos dois anos; para trás.
(Adaptado de Lilia
Schwarcz, Havia uma vírgula no meio do caminho. Nexo Jornal, 21/05/2018.)
Considerando o gênero propaganda institucional e o paralelo
histórico traçado pela autora, é correto
afirmar que o slogan do atual governo fracassou porque
a) o uso da vírgula provocou uma leitura negativa do trecho
que alude ao slogan da década de 1950.
b) a mensagem projetada pelo slogan anterior era mais clara,
direta, e não exigia o uso da vírgula.
c) a alusão ao slogan anterior afasta o público jovem e provoca
a perda de seu poder persuasivo.
d) o duplo sentido do verbo “voltar” gerou uma mensagem que
se afasta daquela projetada pelo slogan anterior.
2.
Leia o trecho do romance S. Bernardo, de Graciliano
Ramos, para responder às questões de 02 a 07.
O caboclo mal-encarado que encontrei um dia em casa do
Mendonça também se acabou em desgraça. Uma limpeza. Essa gente quase nunca
morre direito. Uns são levados pela cobra, outros pela cachaça, outros
matam-se.
Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra ,bateu-lhe
no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos miúdos. Sumiram-se: um dos
meninos caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a mulher
enforcou-se.
Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi a
aguardente.
Concluiu-se a construção da casa nova. Julgo que não preciso
descrevê-la. As partes principais apareceram ou aparecerão; o resto é dispensável
e apenas pode interessar aos arquitetos, homens que provavelmente não lerão
isto.
Ficou tudo confortável e bonito. Naturalmente deixei de dormir
em rede. Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com receio,
outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem.
Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos o mundo
dá um bando de voltas.
Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu
haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter,
caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo
de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A
verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus.
Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como
sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas
as ações que me levaram a obtê-las.
Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vieram-me as
rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se esquivava, agarrou-se
comigo, as taxas desceram. E os negócios desdobraram-se automaticamente.
Automaticamente. Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma
beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas se virem que estão de sorte, metam
o pau: as tolices que praticarem viram sabedoria. Tenho visto criaturas que trabalham
demais e não progridem. Conheço indivíduos preguiçosos que têm faro: quando a
ocasião chega, desenroscam-se, abrem a boca – e engolem tudo.
Eu não sou preguiçoso. Fui feliz nas primeiras tentativas e
obriguei a fortuna a ser-me favorável nas seguintes.
Depois da morte do Mendonça, derrubei a cerca, naturalmente,
e levei-a para além do ponto em que estava no tempo de Salustiano Padilha.
Houve reclamações.
– Minhas senhoras, seu Mendonça pintou o diabo enquanto
viveu. Mas agora é isto. E quem não gostar, paciência, vá à justiça.
Como a justiça era cara, não foram à justiça. E eu, o caminho
aplainado, invadi a terra do Fidélis, paralítico de um braço, e a dos Gama, que
pandegavam no Recife, estudando Direito. Respeitei o engenho do Dr. Magalhães, juiz.
Violências miúdas passaram despercebidas. As questões mais
sérias foram ganhas no foro, graças às chicanas de João Nogueira.
Efetuei transações arriscadas, endividei-me, importei maquinismos
e não prestei atenção aos que me censuravam por querer abarcar o mundo com as
pernas. Iniciei a pomicultura e a avicultura. Para levar os meus produtos ao mercado,
comecei uma estrada de rodagem. Azevedo Gondim compôs sobre ela dois artigos,
chamou-me patriota, citou Ford e Delmiro Gouveia. Costa Brito também publicou
uma nota na Gazeta, elogiando-me e elogiando o chefe político local. Em
consequência mordeume cem mil-réis.
(S. Bernardo, 1996.)
2. No trecho, o narrador revela-se uma pessoa
a) empreendedora e solidária.
b) invejosa e hesitante.
c) obstinada e compassiva.
d) egoísta e violenta.
e) preguiçosa e traiçoeira..
3.
O conhecido preceito “os fins justificam os meios” pode ser
aplicado ao trecho:
a) “E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S.
Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.” (6o
parágrafo)
b) “Comprei móveis e diversos objetos que entrei a utilizar com
receio, outros que ainda hoje não utilizo, porque não sei para que servem.” (4o
parágrafo)
c) “Essa gente quase nunca morre direito. Uns são levados pela
cobra, outros pela cachaça, outros matam-se.” (1o parágrafo)
d) “Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as lombrigas
comeram o segundo, o último teve angina e a mulher enforcou-se.” (2o parágrafo)
e) “Vieram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio
se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram.” (7o parágrafo)
4.
“Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, bateu-lhe
no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos miúdos. Sumiram-se: um dos
meninos caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a mulher
enforcou-se.” (2o parágrafo)
Os pronomes sublinhados referem-se, respectivamente, a
a) “alavanca”, “um”, “viúva e órfãos”.
b) “pedra”, “um”, “meninos”.
c) “pedra”, “alavanca”, “viúva e órfãos”.
d) “alavanca”, “pedra”, “viúva e órfãos”.
e) “alavanca”, “pedra”, “meninos”.
5.
O narrador emprega expressão própria da modalidade
Oral da linguagem em:
a) “Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma beleza.” (7o
parágrafo)
b) “Naturalmente deixei de dormir em rede.” (4o parágrafo)
c) “A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons
e quais foram os maus.” (6o parágrafo)
d) “E os negócios desdobraram-se automaticamente.” (7o
parágrafo)
e) “Julgo que não preciso descrevê-la.” (4o parágrafo)
6.
Verifica-se o emprego de verbo no modo imperativo no
trecho:
a) “Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma beleza.
Se não entram, cruzem os braços.” (7o parágrafo)
b) “Minhas senhoras, seu Mendonça pintou o diabo enquanto
viveu. Mas agora é isto.” (10o parágrafo)
c) “Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi
a aguardente.” (3o parágrafo)
d) “Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos o
mundo dá um bando de voltas.” (5o parágrafo)
e) “Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos,
desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas.” (6o parágrafo)
7.
“Tenho visto criaturas que trabalham demais e não progridem.”
(7o parágrafo)
Considerada no atual contexto histórico, essa fala do narrador
pode ser vista como uma crítica à ideia de
a) trabalho.
b) meritocracia.
c) burocracia.
d) preguiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário